Abstract
Eduardo Jorge de Oliveira observa como a literatura e as artes têm promovido exercícios constantes para virar o humano do avesso e descentralizar suas percepções sobre a vida na Terra João Vitor Santos
Se há um campo em que os bichos são soltos e vagam livremente é na literatura. A metáfora é representativa da percepção do professor Eduardo Jorge de Oliveira, pois compreende que “a zooliteratura contribui para o descentramento do olhar antropocêntrico, o que não deixa de ser um exercício de uma alteridade radical”. Ao longo da entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, demonstra como “a experiência de leituras de narrativas, ensaios, poemas a partir da zooliteratura permite um movimento que produz novos centros, mais deslocados do humano e mesmo do humanismo”. “Transformar um olhar antropocêntrico sobre o mundo tem sido um exercício constante da literatura e das artes para não deixar que determinados sentidos se cristalizem, a saber, o humano não é o centro do mundo como se pensou no Renascimento”, acrescenta.
Observando a litura como um território de não-saber, compreende essas experiências com a zooliteratura como algo que floresce da própria dimensão da escritura “que, no embate dos signos, é mais física do que metafísica”. Por isso, considera: “no que diz respeito ao olhar animal, não deixa de ser interessante vislumbrar que toda uma fauna sai de frases, literalmente habitando florestas de signos. Cada animal é capaz de encontrar um ritmo que é lhe próprio, pois a linguagem tanto é capaz de rastejar quanto de voar muito alto. Pode-se mugir na primeira pessoa do singular a ponto que a experiência pronominal pode redistribuir o ‘eu’ a cada animal”.
No entanto, para Oliveira, é reducionista pensar toda a virada humana através da zooliteratura circunscrita a onomatopeias e figuras de linguagem. Sua potência é mais do que isso. “De movimentos répteis a saltos felinos, há um perigo em cada parágrafo. Pode-se ficar à espreita em cada verso. Há na literatura um ‘zoo’ que se forma a partir de um conjunto de textos”, defende. Assim, muito mais produtivo é pensar quase que como uma cosmovisão, que, como ele já disse, descentraliza o olhar humano e faz, como num exercício de metamorfose, com que experimentemos outros lugares. “Um olhar zoo permite uma redistribuição de sentidos entre humanos e não-humanos. Isso não é um breve passo em meio a um estado perpétuo de negociação de existências, coletivas e individuais”, observa. E conclui: “a animalidade pode muito bem ser positivada como uma construção que redefine as fronteiras entre humanos e não-humanos. Talvez isso possa ser lido livremente como um ensaio e não como uma resposta definitiva”.