Abstract
Haroldo de Campos é um poeta da educação dos sentidos. No seu caso, a poesia permanece indissociável da crítica e da tradução. E, portanto, cada poema mantém uma autonomia no projeto do autor. “Ciropédia ou a educação do príncipe”, de 1951, por exemplo, não deixa de ser um poema concreto na acepção reivindicada por ele: “toda poesia digna deste nome é concreta: de Homero a Dante, de Goethe a Pessoa” (CAMPOS, 1992a, p. 7). “Ciropédia” pode ser entendido como um manifesto da sensibilidade movido pelos cálculos do coração, pela força do acaso e pela matemática particular dos sentidos. Esta última, em particular, faz com que a palavra seja exata no rigor das emoções que é a literatura: “a equitação do verbo” (CAMPOS, 1992a, p. 31) ou “o peso das vogais” (CAMPOS, 1992a, p. 33), como se lê no poema. Há uma dimensão bifocal na obra de Haroldo de Campos capaz de transportar o leitor do peso das vogais à concretude da crítica e da tradução. Por um lado, é possível a leitura detalhada do poema, com atenção voltada aos níveis semânticos, sintáticos, retóricos, tácteis, visuais e sonoros, o que contribui para uma poesia racionalmente sensorial e sensorialmente racional, a tal ponto que Haroldo de Campos faz com que tais categorias se tornem zonas instáveis diante da exatidão do poema. Por outro lado, imerso na prática do poema, Haroldo de Campos produziu páginas memoráveis na crítica e na análise de outros poetas e autores, além de ter contribuído imensamente ao campo da tradução, a tal ponto que o termo “transcriação” tornou-se inseparável do seu nome. Como escreveu em Ciropédia: “Beber desta água é uma sede infinita” (CAMPOS, 1992a, p. 35).